quinta-feira, 30 de outubro de 2008



Vazio na imensidão do nada

O que mais dói é a dor que não sai,
Que se agarra e enterra na carne
E consome mas não se gasta,
Que me morde e arrasta
E fura e rasga a esperança e o olhar.

O que mais custa é saber e não poder,
A existência que nos é forçada,
O ser que não é.

O que mais dói é o vazio
Que me invade e abusa,
Me trespassa e corrói,
Que emana um cheiro dilacerante a podridão,
Um sabor a vergonha,
Um perpétuo desejo de imensidão de nada,
Em coisa nenhuma. Um vazio que o é.
Um nada que nada no fétido vácuo da minha inumanidade.

O que mais custa é saber que vai ser assim, sempre,
Até ao dia em que a matéria o deixar de o ser,
E esta existência que dói e custa
Pedir contas a quem me largou só.

quarta-feira, 18 de julho de 2007



A gosto

Gosto da solidão que me estimula,
Gosto do silêncio que me deixa fluir,
Gosto do receio que me faz pensar,
Gosto de quem gosta de me amar.

Gosto de gostar, do cheirar, e de sentir.
Gosto dos medos e amargos,
Gosto dos dedos e dos amassos,
Gosto de ti e de mim e do “nós”.

Gosto de ter e do poder,
Gosto do ver e do desejo.
Gosto de ler e de prever,
Gosto do argumento e do traquejo.

Gosto da dúvida, da surpresa e do laço.
Gosto do sol, da lua e do espaço.
Gosto do céu e dos pecados,
Gosto do risco e dos fracassos.

Gosto da audácia e da bravura,
Gosto do respeito e da loucura.
Gosto de não ter asas e voar.
Gosto da vida, gosto de mim.



A ceifa do destino

Vislumbrei a morte num sonho
Quando a vi com uma faca na mão,
Na outra apertava com força
O que restava do meu coração.

Olhei a morte nos olhos
E escapou-se-me uma lágrima.
“Não me leves” roguei-lhe
Com os olhos marejados em medo.

“Perdoa as ofensas que gritei,
Castiga-me pelos pecados de que gozo,
Culpa-me dos seres que humilhei
Mas liberta este peso que me sufoca.”

Ajoelhei-me e cedi quando a vi
Passar por mim indiferente,
Ri-me demente quando a fitei
Empunhar a ceifa do destino.

“Leva os meus fantasmas”
Gritei ao vento, engolindo o fumo
Que deixara como sinal de presença.
E incólume me largou, arrependido.

sexta-feira, 18 de maio de 2007



Doente emocional

Sou doente de um mal que não se vê,
Que não se controla
E do qual não vejo cura.
Houve um vírus que me invadiu,
Que me leva à loucura,
Uma moléstia que me come,
Que me torna a vida dura.
Sou consumido pelos dias que passam…
E passo os dias a contar os dias que me faltam.
Estou incapaz de me fazer erguer;
Quando me sinto melhor é quando sei que vou ceder.
Embora imune ao bruxedo e à feitiçaria,
Ignoro quem me quer ver cair
Todo o santo dia.
Sou carente de algo que não sei onde buscar,
Desconheço o que procuro, se procuro quero achar:
Um destino, um sentido, um caminho,
Por mais estranho que seja, também preciso de um carinho.
De uma mão e do seu toque,
De um coração e a reboque deixo-me ir.
Sou doente emocional porque não sei o que sentir,
Se quero sentir, se tenho alguém a quem me dar,
Escondo-me num cantinho e fico a meditar,
Com medo de morrer sozinho, de não te chegar a descobrir,
Com medo do feitiço que me possa libertar.

terça-feira, 1 de maio de 2007



Liberdade

A liberdade é antes do mais respeito,
É preciso aceitar para aceder a esse feito.
Só é livre aquele que deixa os outros voar,
Quem ousa ouvir e não aceita calar.

A liberdade é um fardo muito pesado
Que pesa nos ombros dos que aceitam o passado.
Dos que insistem em não cair no mesmo erro
De dar carta branca a um só enfermo.

A liberdade foi um negócio para muita gente
Que se aproveitou da pobreza de espírito existente,
Hoje têm altos cargos e luxuosas reformas,
Continuam a controlar-nos das mais diversas formas.

A liberdade é um caminho muito estreito,
O mal dessa benesse é quem cristaliza o direito,
Que julga que tudo pode e acaba por abusar,
Quem pensa que agora também tem espaço para mamar.

A liberdade é muito mais do que um regime,
A Republica é do povo e o povo tem que ser firme.
Não há espaço para chulos que nos insistem em usar,
Abril também ensinou que ainda há cravos por plantar.